terça-feira, 26 de novembro de 2013

PINTURA

GRAFITE

         Era cinza.        
         Não que houvesse dor ou fadiga, mas ao seu olhar tudo era cinza. Sol, mato, gente, céu, era tudo um bolo uniforme de tons e semitons do cinzento vazio que a compunha. Mosaico humano de quereres, seus passos eram buscas em degradé, pela cor.
          Íris às vezes era forte e desbastava empecilhos como ninguém. Às vezes era frágil como colibri pousado no chão. No cinzento chão da procura. E quanto mais procurava menos cores vislumbrava ao seu redor.       
         Pintava sua vida a grafite.
          Dia após dia, lia seus afazeres com a lente difusa da espera, esfumando aqui, contornando ali, rasgando fora o que não servia. Engendrar sentidos era sua engenharia. E era de sonhos sua construção.


SÉPIA

         Como reencontro, se conheceram quando não se buscavam. No vai e vem das ruas trocaram as primeiras palavras e foi diante do mar o primeiro toque.
         Suas mãos entrelaçaram desejos em sépia, muitos bem guardados. Mas como só a mudança é permanente, seus braços se encarregaram de desarrumar as certezas...


E FOI ASSIM

E FOI ASSIM

         Ela deixou-se guardar entre seus braços, molemente, enquanto ele acariciava seus cabelos. Seus olhos semicerrados inda viram sua boca macia caminhar lentamente em direção à sua.
         Não, não foram lábios, foi o sol que a tocou! Morna de carinho sentiu quando a alma se preparou para mudar de corpo. Viu, com os olhos fechados, a paisagem que a esperava, e bebeu de seu frescor.
         E eram versos que escreviam um no outro, sem pressa, em prece, enquanto o sol dormia no horizonte e a lua dava boas vindas aos que a viam nascer.
         Era um andante, que eles compunham com notas de carinho.
         Era um balé. E dançavam, boca a boca, com a leveza de veteranos, embora virgens um do outro. 
         
         Ah, um beijo não é um beijo se não for um chamado mudo pra carícia, se não for um ceder-se ao afeto. Se não afrouxar a razão, e o coração não desejar, aos pulos, trocar de peito. Se não se soltarem, aos suspiros, os amantes. Se ao final, os olhos não estiverem brilhando. Um beijo é isto sim, uma oração a dois, sem antes ou depois, terços ou novenas. É reza forte: com cheiros e sabores, com ritos e códigos que nem os amantes decifram.
         Naquela hora, todas essas coisas estiveram ali, gravadas em suas bocas, na suavidade dos toques, no sem-fim do tempo, mas cada um guardou consigo a história que desejou. A pintura que fez na própria memória, como sempre é.


AQUARELA
“No more lonely nights, no more lonely nights...”  Paul MacCartney

         Viram-se muitas outras vezes. Conversaram muito, sobre tantas questões... Acho até que se tornaram amigos. Eu acho. Mas aquele beijo foi único, e o único! Não precisavam mais talvez. Aliás, não era questão de necessidade (nunca é!) e a questão, na verdade, não vem ao caso. O fato é que naquela noite, ela deixou que sua alma registrasse, numa aquarela de palavras, a magia daqueles segundos:

              Seus lábios, como veludo,
              tocaram meu silêncio cheio de eus te amos
              E foi só.

         Mas não fora, porque agora seu olhar já não era o mesmo, eram muitas as cores que compunham este mulher, para sempre arco-Íris.


DO LIVRO

CONTOS E OUTROS TANTOS 
        

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