GRAFITE
Era cinza.
Não que houvesse dor ou fadiga, mas ao seu olhar tudo era
cinza. Sol, mato, gente, céu, era tudo um bolo uniforme de tons e semitons do
cinzento vazio que a compunha. Mosaico humano de quereres, seus passos eram
buscas em degradé, pela cor.
Íris às vezes era forte e desbastava
empecilhos como ninguém. Às vezes era frágil como colibri pousado no chão. No
cinzento chão da procura. E quanto mais procurava menos cores vislumbrava ao
seu redor.
Pintava sua vida a grafite.
Dia após dia, lia seus afazeres com a
lente difusa da espera, esfumando aqui, contornando ali, rasgando fora o que
não servia. Engendrar sentidos era sua engenharia. E era de sonhos sua
construção.
SÉPIA
Como reencontro, se conheceram quando não se
buscavam. No vai e vem das ruas trocaram as primeiras palavras e foi diante do
mar o primeiro toque.
Suas mãos entrelaçaram desejos em sépia, muitos bem
guardados. Mas como só a mudança é permanente, seus braços se encarregaram de
desarrumar as certezas...
E FOI ASSIM
E FOI ASSIM
Ela deixou-se guardar entre seus
braços, molemente, enquanto ele acariciava seus cabelos. Seus olhos
semicerrados inda viram sua boca macia caminhar lentamente em direção à sua.
Não, não foram lábios, foi o sol que a
tocou! Morna de carinho sentiu quando a alma se preparou para mudar de corpo.
Viu, com os olhos fechados, a paisagem que a esperava, e bebeu de seu frescor.
E eram versos que escreviam um no outro, sem pressa, em
prece, enquanto o sol dormia no horizonte e a lua dava boas vindas aos que a
viam nascer.
Era um andante, que eles compunham com notas de
carinho.
Era um balé. E dançavam, boca a boca, com a leveza de
veteranos, embora virgens um do outro.
Ah, um beijo não é um beijo se não for um chamado mudo pra
carícia, se não for um ceder-se ao afeto. Se não afrouxar a razão, e o coração
não desejar, aos pulos, trocar de peito. Se não se soltarem, aos suspiros, os amantes.
Se ao final, os olhos não estiverem brilhando. Um beijo é isto sim, uma oração
a dois, sem antes ou depois, terços ou novenas. É reza forte: com cheiros e
sabores, com ritos e códigos que nem os amantes decifram.
Naquela hora, todas essas coisas
estiveram ali, gravadas em suas bocas, na suavidade dos toques, no sem-fim do
tempo, mas cada um guardou consigo a história que desejou. A pintura que fez na
própria memória, como sempre é.
AQUARELA
“No
more lonely nights, no more lonely nights...”
Paul
MacCartney
Viram-se muitas outras vezes.
Conversaram muito, sobre tantas questões... Acho até que se tornaram amigos. Eu
acho. Mas aquele beijo foi único, e o único! Não precisavam mais
talvez. Aliás, não era questão de necessidade (nunca é!) e a questão, na
verdade, não vem ao caso. O fato é que naquela noite, ela deixou que sua alma
registrasse, numa aquarela de palavras, a magia daqueles segundos:
Seus lábios, como veludo,
tocaram meu silêncio cheio de
eus te amos
E foi só.
Mas não fora, porque agora seu olhar já não era o mesmo,
eram muitas as cores que compunham este mulher, para sempre arco-Íris.
DO LIVRO
CONTOS E OUTROS TANTOS
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