segunda-feira, 7 de junho de 2010

Capítulo 2: Como eu e as histórias nos encontramos

Quando comecei a contar histórias, dizia sempre que na minha infância tinha ouvido poucas.
Hoje vejo que cometi uma grande injustiça.
Minha mãe contou-me a incrível história da tartaruga e a lebre, quando eu tinha por volta de três, quatro anos. E o fez de modo tão inesquecível que contei pra todo mundo no meu livro "Cenas Comuns".
A mãe dela contava causos de terror e histórias da família como ninguém!
O filho dela, meu tio Fábio, contava e me ensinava a contar piadas escabrosas, para assombro e risadas mordidas de minha mãe e da família toda.
(Com ele eu fiz, com certeza, meu primeiro curso de formação)
Meu avô materno, contava suas histórias de vida, passadas lá pelas Minas Gerais e cantava, com a voz mais triste, verdadeira e tocante que minha infância guardou. Sobretudo cantando "Índia". Nenhum membro da família herdou o jeito desse cantar, mas meu irmão é locutor, e sua voz é um capítulo à parte. Sobre meu avô e suas lembranças quem me fez recordá-las foi minha irmã Tânia Regina, que o adorava e eu só vim saber agora, depois de adulta.
Meu pai...
Meu pai era uma árvore de leituras.
Se alimentava de muitas histórias. Deixava que corressem seu corpo-tronco como seiva. Exalava o perfume desses aprendizados, quando nos chamava atenção. E nos fazia chorar, sem usar de violência alguma. Transformava suas emoções em poesias. Mamãe com carinho de seu caderno de poesias, mas um dia, assaltaram êlá em casa e o levaram, sei lá o porquê. Ficou apenas um poema curiosamente entitulada "Despedida", escrito exatamente 14 anos antes dele morrer. Papai tocava o acordeão quando faltava luz. Eu quase rezava pra faltar luz todos os dias. Ele cantava cantigas populares, e a que mais me recordo é aquela que diz assim:
"Fiz a cama na varanda
Me esqueci do cobertor
Deu um vento na roseira
Ah, meus cuidados me cobriu
Toda de flor".
Cantei esta canção lá no Porto, pras alunas da Escola Superior de Educação de Paula Frasinetti. Levei muitas outras histórias comigo naquele dia... Mas, isso conto depois.
O acordeão era do meu avô, pai dele. O Seu Ferreira.
Vovô Ferreria era semianalfabeto, escrevia poesias e fazia repentes, com ou sem sua harmônica (que é como ele chamava o acordeão). Não cheguei a ver isso, mas organizei em livro com suas poesias, graças a sua única filha, Tia Flor, que me passou tudo antes em 2007.
Ah, ela contou-me histórias também. Muitas. Sobre meus avôs, meu pai e sobre esta minha família (a paterna). E levou-me ao Frade, onde meu pai viveu quando criança.
Agora percebo que poderia escrever horas a fio, a me lembrar tantas e tantas outras histórias e seus contadores.
Dona Carlita, por exemplo, uma vizinha do tempo em que moravamos na "29", como chamamos até hoje a casa do Bairro Parque Felicidade, onde moramos até papai falacer. Ela contava terrorzão!!! Eu nem andava sozinha depois. Horrível!
E ainda tinham as histórias de Lobato, na TV (meio misturadas, mas deu pra me apaixonar pelo Escamado, ah!); as do Daniel Azulay; as que eu e meus irmãos inventávamos pra brincar de novela, pra brincar de brincar mesmo.
As histórias que eu sonhava sozinha, no sofá, deitada com o corpo no assento e as pernas no encosto, olhando os pardais pela janela veneziana da sala.
Nossa, quanto tempo!
Bem, as histórias chegaram assim, na minha vida, por todos os lados, e com vários jeitos, como, eu acho, acontece com todo mundo.
A gente é que às vezes não se dá conta...
E você, já se deu conta?

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